Dream
Traumdeutung | Wakefulness

A vida é chat

Marcelo Veras

Um estudo recente constatou que o tempo médio de permanência na mesma tela de um smartphone – isto é, sem mudar para outro assunto, outro vídeo ou outra mensagem de Whatsapp é de apenas 20 segundos[1]. Isso nos coloca diante de um volume de informações diárias sem precedentes na civilização. Cumpre-se assim o imperativo civilizatório do século 21: todos conectados. Com efeito, a primeira coisa que o homem atual faz ao abrir os olhos de manhã é estender os braços e pegar seu smartphone. Vive-se uma época em que dormir e despertar são processos que se alternam cotidianamente tendo às mãos um instrumento de conexão. A vida não é mais um sonho, ela tornou-se uma ininterrupta vigília, uma permanente retomada de um chat deixado em suspenso na véspera.

Para Éric Laurent, o smartphone é o novo órgão do corpo. Cabe aqui interrogar precisamente a temporalidade em jogo no uso incessante desse órgão. É preciso saber de que modo eles modulam nossa condição de gozo atual[2]. Tomemos por princípio a tripartição do tempo feita por Lacan no final dos anos 40: instante de ver, tempo para compreender e momento de concluir. O primeiro e o último movimentos dependem do sujeito, já o segundo movimento, tempo para compreender, é o tempo do Outro. É o tempo em que o sujeito mede e calcula sua relação a partir do seu eterno diálogo com o Outro. Ora, nenhum tempo para compreender é possível quando se passa exclusivamente 20 segundos na mesma tela. Passamos assim do instante de ver diretamente para o momento de concluir. Mal se recebe um fakenews e o sujeito já o compartilha, sem tempo para compreender.

Daí a pergunta: até que ponto estamos realmente conectados na época da hiperconectividade? Esses aparelhos existem para nos conectar ou são o fim em si? Dormimos e acordamos conectados... a nós mesmos, no gozo de uma vigília sem fim.

NOTAS

  1. Byron Reeves and cols, (2019) Screenomics: A Framework to Capture and Analyze Personal Life Experiences and the Ways that Technology Shapes Them,Human–Computer Interaction, DOI: 10.1080/07370024.2019.1578652.
  2. Laurent E., Jouir d’internet, in La Cause du Désir n.97, Paris 2017.