O Sonho
Traumdeutung | Inventário

O sonho do disco branco

Bernardino Horne

Cheguei a Paris no final da tarde para continuar com as entrevistas preliminares. A demanda fora um certo problema com o saber. Sonhei: estava brincando na praia, lançava um disco branco a um amigo que o devolvia. Depois de várias associações, o analista encerrou a sessão dizendo: o disco branco é uma condensação. Devolveu assim para mim o objeto, tal como meu amigo no sonho. Instante de ver! Com ele ficaria os oito anos de análise.

No intermédio, tempo de compreender. Uma pena branca como signo de contrafobia no chapéu do rei Henri IV da França. Estar perdido em um corredor e sentir o terror do desamparo. Memorizar na adolescência uma poesia horrível, que promove a pureza do amor pelo elogio ao branco. Muitas vicissitudes neste tempo de rotina e de surpresas.

Momento de concluir: o objeto que se desprendeu do atravessamento do fantasma tomou a forma de um animalzinho branco que cacei e matei golpeando-lhe a cabeça, lugar do saber. Este fato, imediatamente associado com o acontecimento anterior, no qual espio e vejo uma mulher em êxtases em um espaço de muita luz, desencadeia, no instante, o final da análise na forma de relâmpago. Condensa o instante ver, de compreender e de concluir. Surge como luz, como clareza de um saber novo sobre o gozo. Um saber fazer com isso que se sabe e, especialmente, saber fazer do ato. A pulsão escópica e o tempo do instante são soberanos.

Como pensar o sonho?

O sonho permite continuar a dormir com a perspectiva de ser entregue ao analista, confirmando seu viés transferencial. Disco branco é o Significante da Transferência. Ao dormir, esse real que não dorme toma presença, reforçado por ter retomado análise. Condensa ressonâncias do Significante Uniano intermediadas pelos Significantes de Alíngua. Há algo do Um nele. Há algo do animalzinho branco no disco branco.

Esse real forma o umbigo do sonho, é imediatamente aspirado e entra no inconsciente pela via da metonimia. Investe o disco branco que vira, contigencialmente, objeto pulsional.

A presença desse gozo estrangeiro causa, em um mesmo instante, o desencadeamento dos seguintes acontecimentos: um despertar pelo alarme que essa presença provoca e a aspiração do gozo que toma o centro da construção do núcleo traumático. Face a isso, faz-se necessário, ou a construção de um sonho que continue o deslizamento do gozo, o senão acordar. O nosso permitiu continuar a dormir dormindo.

A interpretação procura esse instante do despertar. O instante do corte, pelo real, do fluxo do dormir.

REFERÊNCIAS

  • HORNE, Bernardino. Fragmentos de uma vida psicanalítica. Jorge Zahar Editor. Rio de janeiro, 1999.
    ____. Sobre el inicio del análisis por un sueño y su relación con el final. In: Brisas Clínicas: Sueño y final del análisis / Andrea Cucagna e al. Grama Ediciones. Buenos Aires, 2012.
  • LACAN, Jacques. O Ato Psicanalítico. In: Outros Escritos, Pág. 371. Jorge Zahar Editor. Rio de janeiro, 2003.