O Sonho
Traumdeutung | Inventário

Coro das feiticeiras

Sandra Arruda Grostein

Um sonho de angústia

“A cena do sonho revela duas meninas pequenas apavoradas, aguardando a certa distância que a confraria das babás, todas feias, com risos exagerados, sentadas em volta do fogo, terminem de preparar um feitiço, para amaldiçoá-las.”

As primeiras associações relacionam as duas meninas a mim e minha irmã um pouco mais velha do que eu. Dentre o grupo de babás, identifico uma, que foi de fato babá de meu filho, e a cena propriamente dita é uma reprodução de Macbeth, a Ópera de Verdi que eu assistira havia apenas alguns dias. As feiticeiras fazem ruídos e, no sonho, uma das meninas, que poderia ser eu, escutava, assustada, o barulho ensurdecedor das vozes e as emoções que elas continham.

Destaco, então, a minha relação com esta irmã que nunca foi muito amistosa, sempre marcada pela rivalidade. Ela era a preferida do pai e eu, à distância, buscava na mãe o apoio necessário para tentar me aproximar dele. Muitas voltas foram dadas em torno disto.

A segunda associação se atém ao meu gosto por Ópera, que venho desenvolvendo desde o final da adolescência quando assisti pela primeira vez uma apresentação de La Traviata, na Royal Opera House, em minha primeira viagem para a Europa. Assisti a esta apresentação na companhia de meu irmão um pouco mais novo do que eu, apreciador e conhecedor de música clássica desde a infância.

Nestas associações estão presentes, então, meu lugar na família entre uma menina querida e um menino sabido e a babá como um derivado da mãe, como má, usando a força sobrenatural para manipular os mais fracos. Outro aspecto muito explorado do sonho foi minha profunda admiração por Maria Callas, soprano absoluto, como classificam os críticos. Uma voz que se destaca de um corpo frágil, de visão míope, que proporciona aquele olhar vazio de quem não enxerga os detalhes, só as silhuetas. Imagem que concentra a beleza, o mistério e o feminino.

 

Consequências

Este sonho, mesmo depois do passe, tem seu valor por ter esclarecido que a fonte da angústia articula desejo e medo. Se durante o trabalho associativo o medo estava localizado na maldade, fosse exercida por mim ou pelo outro – algoz ou vítima, e o desejo à sexualidade feminina, a condensação do “coro das feiticeiras”, após o passe, atribui à voz que assusta, que pune, aquela do supereu, um som a mais, aquele da letra S, destacada, ao final da análise, como condensador de gozo.