O Sonho
Traumdeutung | Leituras

Silvia Ons

“Se definimos a fantasia desse modo, vemos por que Lacan formulava que, no final, a fantasia é uma pura significação de verdade. Isso quer dizer que ela resiste em saber bem que é totalmente pura, não se presta a fazer uma cadeia com o resto do saber. E aí, todas as formações do inconsciente são distintas. É claro que elas resistem em saber, mas apelam para ele. Não se esperou a psicanálise para dar-se conta de que o sonho apela ao saber, nem para interpretá-los. Independentemente da descoberta de Freud, o sonho apela ao saber.”

Miller J.-A, Del síntoma al fantasma y retorno, Paidos, Buenos Aires, 2018, p 177

Miller nos diz que o sonho apela ao saber, embora antes de Freud os sonhos se prestassem para ser interpretados, porque os homens consideravam que eles carregavam uma mensagem benévola ou hostil, proveniente de potências superiores. Com Aristóteles, o sonho, antes de ser um presságio de forças exteriores ao sujeito, é uma manifestação da alma do sonhador. Daí, Freud enfatiza que, para o Estagirita, o sonho já era objeto de investigação psicológica. A partir do advento da ciência, ele perde seu lugar como produto da atividade psíquica e tornou-se uma mera expressão de processos somáticos, puro produto da atividade cerebral. Freud combate essa concepção e o considera a via régia de acesso ao inconsciente, a ponto de afirmar que aquele que não consegue explicar a gênese das imagens oníricas se esforçará, em vão, para compreender as fobias, as histerias, as obsessões e os delírios. Tal é o valor teórico outorgado por ele, que imagina que, aquele que o decifrar, estará nas fileiras daqueles que transcendem, com suas descobertas, seus destinos como mortais.

É a partir dos sonhos que Freud descobre que existe uma "inteligência inconsciente" e que, para alcançá-la, não é necessário saber mergulhar, mas saber escutar, esse saber ao qual o sonho apela estará em seu mesmo relato e associações. Mas há sonhos e sonhos e alguns mostram o limite ao saber e conduzem à construção da fantasia. Não foi com um sonho que Freud chegou à fantasia do homem dos lobos? Podemos, portanto, montar a seguinte sequência: o sonho apela ao saber e seu limite conduz à fantasia, pontuada por Miller como significação de verdade.

Silvia Ons

Tradução: Vera Avellar Ribeiro